Saúde Pública De Qualidade
Frente a todos esses desafios, como desenvolver uma saúde pública de qualidade, que atenda às necessidades da população, valorize sua equipe e tenha uma boa gestão? O primeiro passo é investir na atenção básica, explorando as unidades de porta de entrada para, então, trabalhar com a média e a alta complexidades. É como se a gente estivesse incorporando cada vez mais a ideia de que sem o SUS não há futuro para a saúde no Brasil. Do ponto de vista dessa questão que envolve a universalidade e a equidade, é óbvio que ainda temos muitos desafios a enfrentar. Até porque os determinantes sociais, que estão na origem das desigualdades, não são resolvidos somente por meio do sistema de saúde — ainda que sistemas universais como o SUS permitam reduzir a expressão das desigualdades sociais na saúde. Mais uma vez, a covid nos mostra que a ocorrência da doença e sua letalidade é muito maior para alguns grupos socioeconômicos e isso é expressão das desigualdades históricas socialmente determinadas no Brasil. Esse seria o grande desafio a ser enfrentado no Brasil, o que compromete o próprio princípio da equidade.
Compreender e, principalmente, gerir um sistema de saúde que atende a aproximadamente 200 milhões de brasileiros são tarefas desafiadoras que exigem comprometimento e determinação para quem se compromete a entender como funciona esse sistema universal com todas as suas engrenagens e peculiaridades. Destaque também para a diminuição do número de contaminações, fruto do fortalecimento do tratamento e da distribuição de medicações de alto custo de forma gratuita pela rede pública. O objetivo traçado em 2015 era preencher mais 4.146 vagas, estendendo a cobertura assistencial a aproximadamente 63 milhões de pessoas, distribuídas em 4.058 municípios. E é simplesmente impossível ignorarmos esses números, especialmente se nos lembrarmos que, antes da implementação da iniciativa, estados como Maranhão, Pará e Amapá contavam com menos de um médico para cada 100 mil habitantes. Também é preciso salientar que esta participação deve ser diferenciada, devendo estar em consonância com o instrumento que está sendo desenvolvido (plano de saúde, programação anual de saúde ou relatório de gestão) e a complexidade da organização que o está elaborando. Considerando o conceito de planejamento de Mintzberg2, que o define como “procedimento formal para produzir um resultado articulado, na forma de um sistema integrado de decisões”, tem-se que com o planejamento coordenam-se as decisões na organização. Daí, depreende-se que há uma relação entre planejamento e decisões, na qual o planejamento constitui-se no mecanismo empregado para auxiliar a tomada de decisão e para orientar a implementação das decisões tomadas.
As equipes atuam conhecendo a realidade dos pacientes, prestando orientações frequentes e acompanhamento constante. O reconhecimento vem da própria Organização Mundial da Saúde, que incluiu o Saúde da Família entre as melhores iniciativas do planeta na área. Em artigo cedido especialmente ao Brasil de Fato para a citação, ele afirma “Reportando 1990, 1º ano do SUS, metade da população brasileira mais pobre carecia de qualquer assistência à saúde e doença”. A reação só foi possível porque, segundo o professor, havia uma consciência sobre conceitos como “Universalidade, Equidade e Integralidade”.
Desafios Estruturais
Essa questão do decreto [10.530, de 26/10 e revogado em 28/10, que previa parcerias privadas nas Unidades Básicas de Saúde] é curiosa. O decreto sinalizou para essas parcerias privadas, aumentando ainda mais o espaço de atuação na atenção primária, mas a gente sabe que a expansão do setor privado já vinha ocorrendo no Brasil pelo menos desde 2017. Em artigo publicado no “Cadernos de Saúde Pública”, em 2020, Márcia Morosini, Tatiana Wargas e Angélica Fonseca analisam três eixos de mudança na atuação do setor privado na atenção básica. O primeiro foi a mudança das regras que permeiam as transferências de recursos federais para os municípios (o financiamento federal da atenção primária), que rompe com as transferências hospital Albert Einstein convênios do PAB fixo, a partir do Previne Brasil, que foi o nome que se deu às alterações no modelo e na lógica de financiamento. O programa rompe com o piso da atenção primária e define que o financiamento será com base no número de pessoas cadastradas nas unidades básicas. Isso em si já fere a lógica da universalidade, na medida em que os recursos são transferidos considerando apenas aqueles que estão cadastrados, e não a totalidade da população. Além disso, houve a implantação da Adaps [Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde], que confere uma nova modalidade jurídica a uma organização com responsabilidade sobre a formulação de políticas, formação na área e mesmo contratação.